Nada acontece

Disponibilidade: Brasil

a palavra evapora da boca da mulher
se assusta com o alarme do despertador
se deforma em sessões de análise, a palavra
afunda em águas cloradas, se
arruína da cabeça às mãos e se despede
como o embrião no redemoinho da privada e se
parte nas portas abre-fecha de aeroporto, a palavra
se enferruja dobrada no fundo da bolsa
apodrece em alguma árvore e morre
no enjoo do caminho

R$45,00

_sobre este livro

_sobre este livro

Começo a escrever essa orelha dentro do trem, termino essa orelha dentro de casa. No passeio de alguns dias, leio o livro de Carina Gonçalves como o enxergo: em trânsito. Passo pelas horas com suas frases ecoando em minha cabeça e me cobrando devagar, como em um de seus poemas, porque há prazos (sempre eles), as coisas por fazer e deslizo assim com o livro, com essa orelha ecoando em pequenas frases. O nada acontece e de repente me choco com os primeiros versos que atravessam o marasmo da vida, “os figurantes das minhas férias/ se repetem por erro/ de continuidade ou por baixo/ orçamento ou apenas para/ me mostrar o quão pequena/ é a cidade”. Olho ao redor e, agora, depois de acontecer o choque, penso nos figurantes da vida, na pequenez das cidades, no erro de continuidade.

E sigo carregando comigo o livro da Carina Gonçalves, sempre em trânsito, e enquanto o nada acontece, já dentro de casa, escolho uma trilha sonora e me lembro dos risos contidos de frente para os figurantes do trem. O chacoalhar do dia acontece e cá estou olhando para as páginas impressas em minha mão e pensando em tirar uma foto, quem sabe mandar esse poema para alguém, criar uma nova espécie de trânsito. Melhor, vou comentar com a Carina, não, vou fazer uma propaganda, pagar alguns anúncios, isso sim deveria ser uma orelha. Tudo porque mais um verso vem e confesso que precisei pesquisar quem seria sua Sylvia, quem é Chay Suede? E agora quem sou eu de frente para esse nada que Carina coloca em cima da mesa e “passa o guardanapo?”, no maior estilo panis et circenses. Estamos tão ocupados e Carina ali, registrando, ela é uma mulher e seu caderno e seus talheres e sua bicicleta.

Os objetos atravessam nosso olhar através das palavras de Carina. Enquanto ela registra, me lembro de Virginia Woolf: “sentindo na imaginação a pressão da mudez, o acúmulo da vida sem registro” e logo em seguida me lembro de que esse mergulho nos versos que leio são para esta orelha, essa mesma que vai ouvir e falar sobre todos os tilintares que Carina registra (ainda bem) nesse livro que você tem nas mãos agora, querida pessoa que ainda lê orelhas em livrarias (ainda bem).

Chego até aqui para dizer que tudo o que você precisa saber, no fim das contas, é que o aviso está gravado no título deste livro. É preciso atenção, eu mesma não me dei conta. Carina avisa, mas no vício da linguagem, acreditei mesmo que nada iria se passar aqui. Mas o nada acontece em privadas japonesas, em cimento e ardósia, em calças furadas, no asfalto, na sala, no deserto e, muito provavelmente, em você também.

Estela Rosa

_outras informações

isbn: 978-85-7105-038-9
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14 x 19,5 cm
páginas: 70
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2018
ano copyright: 2018
edição: 1

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